domingo, março 05, 2006

Sobre censura

Por João Carlos

Não sei como ficou a história, mas vou desabafar assim mesmo. Talvez os calouros fiquem perdidos, mas os veteranos com certeza me entenderão. Falo de censura, de uma censura que, ainda que não nos tenha sido imposta, só serve para limitar nosso direito de expressão. Falo de censura, falo de uma coisinha chamada manual dos calouros.

Acontece que o manual já era meio que uma tradição na Unirio. Todo ano, os veteranos preparavam um texto sobre cada professor do curso, para, de maneira bem humorada, levar um pouco da personalidade de cada docente para o calouro. E, claro, o manual também servia para metermos um pouco de medo nos calourinhos, já que certos professores parecem tão maquiavélicos que a gente sente medo antes mesmo de assistir a qualquer aula.

Mas é fato que o manual é uma brincadeira. Não pretendíamos caluniar, difamar ou ofender nenhum professor. Apenas brincamos com algumas de suas características mais marcantes, com seus jeitos de dar aula, com as matérias que ensinam etc. Ainda assim, é triste perceber que certos professores não viram com bons olhos o manual. Brigaram, sentiram-se ofendidos (o que, lógico, é direito deles, ainda que, a meu ver, infundado). Devido à confusão, ficou a dúvida se o manual seria ou não atualizado esse ano, ou se seria publicada uma versão light (sem piadas).

Foi censura, ainda que uma auto-censura. Já houve problemas quanto á liberdade de expressão nesse jornal. Já houve problemas de liberdade de expressão na lista de e-mail. Já houve problemas até nos corredores da Unirio. Agora, até nosso trote sofre com esse tipo de problemas.

Talvez tenhamos procurado um caminho errado. Talvez não devêssemos fazer piadas, brincadeiras ou caricaturas. Talvez não devêssemos “ofender” ninguém. Afinal, são professores de gabarito, doutores e pós-doutores, têm experiência, competência etc. São intocáveis. São acadêmicos. Não podemos brincar com sua figura.

Talvez devêssemos falar de modo acadêmico. Talvez devêssemos usar palavras bonitas e escrever seriamente. Afinal, somos alunos de história, projetos de acadêmicos, não somos? Talvez o problema tenha sido escolher brincar, quando, como bons futuros historiadores, deveríamos fazer um trabalho de interpretação baseado em fatos.

Esse foi nosso problema. Não devemos brincar com eles, devemos falar só concretamente. Talvez seja melhor falar dos atrasos de tantos professores, das constantes faltas. Deveríamos falar de professores que desprezam os alunos, de professores que dão apenas metade da carga horária prevista (e ainda reprovam os faltosos!). Deveríamos falar, sempre apoiados em fatos, de professores que zeram a sua prova e não dizem o que você errou. Deveríamos falar de professores que não seguem a ementa prevista, de professores que passam 80% das aulas divagando ao invés de dar a matéria. Ou, pior, deveríamos falar de professores que NÃO conseguem dar a matéria decentemente, de professores despreparados, para cujas provas basta a leitura de livros de segundo grau. Vamos falar dos professores que pulam partes importantes da matéria e não se importam se vai fazer falta ou não pra você. Vamos falar dos professores que vivem em pedestais, dos que não conseguem dar uma aula animada, dos professores que não aceitam opiniões diferentes das dele, que não têm paciência, disposição ou jeito para serem professores etc.

Uma piada é piada. A Unirio, como todas as federais, tem problemas. Aqui, no entanto, na minha opinião, as boas qualidades superam esmagadoramente as ruins. É uma faculdade maravilhosa, só alguns é que precisam melhorar o humor.

Dentre os envolvidos na confusão do manual dos calouros, estão alguns dos professores que mais gosto nessa faculdade, com os quais tive algumas das melhores aulas e com os quais, inclusive, me identifico no jeito de ensinar. É triste ver que uma brincadeira boba gerou tanta controvérsia. Uma brincadeira sem malícia, cujo intuito foi somente ajudar a integrar os novos alunos à comunidade Unirio.

Sou a favor da liberdade de expressão. Se não podemos brincar, já que pode ofender as pessoas, então vamos falar seriamente. Vamos falar apenas a verdade, não a verdade absoluta, claro, mas aquela verdade que só nossos olhos de alunos são capazes de perceber. Outros olhos, mais gabaritados, não têm a mesma nitidez. Baseados em fatos, quem poderá reclamar de nós?